terça-feira, 9 de março de 2010

MEMÓRIAS (Mistério) (PEQUENAS TESTEMUNHAS)

PEQUENAS TESTEMUNHAS

Na década de trinta, lá no triângulo mineiro, Luiz era um vaqueiro muito bonito, trabalhador e alegre. Depois de um dia de muito trabalho, antes de ir para a cama, gostava de tocar viola, sentado perto da varanda daquela imensa fazenda da sua família, à luz do luar.

Ali se reunia toda a família, alguns trabalhadores da fazenda, e até alguns vaqueiros da redondeza, que se espalhavam naquele terreiro de terra vermelha, onde acendiam uma pequena fogueira, e tomavam uma cachacinha, intercalando as bonitas canções que o Luiz tocava, com muitos casos, que entretia a todos.

Se não precisassem se levantar tão cedo, eles virariam a noite, ali.
Nessa fazenda, morava também o Roberto. Ele havia sido criado junto daquela família, que sempre o tratou como filho. Luiz tinha muitos irmãos, mas se identificava mais com o Roberto, que era o seu melhor amigo.

Ele chegou ali, onde foi adotado com três anos de idade, trazido pelas mãos do capataz. Sua mãe havia morrido, e ele não tinha outros parentes.
Nessa época, Luiz tinha cinco anos e já o recebeu de braços abertos. Cresceram juntos, sem nunca brigarem por nada.

Depois que se tornaram adultos, sempre iam se divertir, nos finais de semana, numa vila distante dali.

Num dia, sua mãe interrompeu a conversa deles, dizendo: A Rosinha, filha do compadre Joaquim, chegou hoje. Temos que ir lá, para fazer uma visita.
Ela havia passado quase três anos, fazendo companhia a uma tia, que morava na capital.

Logo que Luiz viu a Rosinha, o seu coração bateu mais forte! Ele nunca tinha pensado nela como mulher, porque quando viajou, ela era quase uma menina.
Agora, pouco tempo depois, ele viu diante de si, uma moça feita... bonita... alegre.

Ela também mostrou interesse, e depois de muita conversa, ela mesma se convidou para ouvi-lo tocar, naquela noite. Não demorou muito, os dois já estavam namorando. Rosinha tinha apenas quinze anos. Ele, vinte e três.
A vida na fazenda, tornou-se ainda mais bonita para Luiz, que fez aquele namoro tornar-se mais sério, ficando noivo dela.

Ele estava apaixonado e marcou logo, a data do casamento. Para seu padrinho, convidou o Roberto.

Alguns meses se passaram e aproximava a data do enlace. Com isso, Luiz teve que ir várias vezes na vila, e sempre chamava o Roberto, para acompanha-lo.

Chegou o dia de buscar o terno. Foram no alfaiate, e quando estavam voltando, conversavam e sorriam como sempre.
Roberto quis parar para se descansar. Amarraram os cavalos no tronco de uma árvore, e sentaram ali perto, prosiando e preparando um cigarro de palha.

De repente, Roberto jogou o seu cigarro no chão, aproximou-se do seu cavalo, e voltou, com uma espingarda na mão. Lentamente ele colocava a munição naquela arma, como se fosse caçar.

Luiz ficou observando e lhe perguntou: Que isso, Roberto! Não é hora de caçar... temos que chegar na fazenda, ainda claro.
Roberto aproximou-se dele e com os olhos brilhando de ódio respondeu: Luiz... a caça é você!
Eu sempre fui apaixonado pela Rosinha, e não vou deixar, por nada, você se casar com ela.

Luiz arregalou os olhos... começou a tremer. Roberto estava quase apertando o gatilho, quando ironicamente disse: Ninguém vai desconfiar de mim, porque sou seu melhor amigo.
Olhe ao redor... não há nenhuma testemunha, ha! ha! ha!

Nesse momento, Luiz viu uma mosca posar no cano da espingarda, e com a voz trêmula, lhe falou:
Eu deixo as moscas, como minhas testemunhas!

Roberto riu mais ainda, e disparou um tiro certeiro...
Amarrou o corpo do Luiz num dos cavalos, e montado no outro, cavalgou devagar, para a fazenda.
Ao entregar o Luiz para os seus pais, ele chorava muito, dizendo que aquilo foi um acidente.

O enterro foi no cemitério da vila. As autoridades da redondeza estavam reunidas ali, prestando a última homenagem.

Roberto acompanhou tudo, fingindo um grande sofrimento. Na hora que o padre começou a rezar, veio uma chuva de moscas e grudou no corpo do Roberto, fazendo-o rolar-se pelo chão, dando berros que podiam ser ouvidos em toda a vila.

Enquanto ele se debatia, o povo ficou pasmado, e apenas o zumbido aterrorizante das moscas, misturava-se ao som dos seus gritos.
Roberto confessou aos berros, o seu crime, e nesse momento, as moscas partiram em retirada, fazendo um rastro escuro, que aos poucos, foi se dissipando naquele céu.
Ali mesmo, o delegado deu-lhe ordem de prisão!

02/02/2005


Ouvi muitas e muitas vezes, a minha avó comentar essa história, com a minha mãe. Era engraçado, o jeito dela se referir ao Luiz, falando assim: Coitadinho do Luiz... moço bom... não merecia aquela traição.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Memórias-Mistérios (ACREDITE SE PUDER)

PAI PROTETOR

Por volta de 1920, lá num cantinho da cidade de Vitória da Conquista, (Bahia), vivia o meu pai, cercado de muitos irmãos, pai e mãe. Família numerosa e pobre.
Ele tinha o costume de se juntar aos amiguinhos, logo pela manhã, para irem nadar nos lagos próximos do seu bairro.

Nesse dia, quando os colegas o chamaram, estavam entusiasmados porque haviam descoberto uma lagoa muito grande, que ficava bem longe das redondezas. Andaram... andaram... muitos queriam até desistir, porque tinham que chegar em casa, a tempo de tomarem um banho e seguirem para a escola.

Por fim, chegaram. O lugar era lindo... realmente, deslumbrante!
A água era parada e preta... a sua fundura, só Deus sabia onde ia chegar.

Todos, animadíssimos, tiraram as suas camisas, jogando-as no chão, ansiosos por darem um mergulho.

Meu pai tirou a sua, lentamente... e dirigiu-se até um pé de goiaba, para pendura-la ali.
Ao aproximar-se, deu de cara com um homem austero, raivoso... que olhava para ele, mostrando ira... muita ira!

Aquele menininho magrelo, assustou-se e nem quis pendurar a sua camisa. Apertou-a contra seu peito, e tremia, como ele só.
Encarou aquele homem de cima a baixo e exclamou: Pai... o que o senhor está fazendo aquí?

Aquele senhor não perdeu tempo e lhe disse: Saia daqui agora! Essa lagoa é perigosa demais... Corra já pra casa, que sua mãe precisa muito de você! Jamais volte aqui, entendeu? jamais volte agui!

Afonso vestiu apressadamente a sua camisa e disse aos colegas: Vamos correr daqui, já! Ninguém pula na água, por favor!
A turminha tentou resistir, mas ele, que era eloquente, os convenceu.
Todos o acompanharam de volta, e durante o trajeto, ele contou o que viu.

Ao aproximar-se de suas casas, cada um ia se dispersando... no fim da rua, só se via o magrelinho Afonso, dobrando a esquina. Dali mesmo, ele notou que havia uma aglomeração dos vizinhos, na porta de sua casa. Achou estranho... suas perninhas tremeram, seu coração se apertou.

Caminhou mais depressa... viu pessoas encostadas na parede, chorando e falando baixinho com as outras. Ao entrar na sala, ouviu alguém dizendo: Coitado... morreu dormindo!

Seu pai, silenciosamente recepcionava seus visitantes, deitado sobre uma mesa de madeira, com suas mãos cruzadas e envoltas num têrço, onde ele rezava suas orações, até então.

19/10/2003